poço sou eu

sou assim
um poço tão fundo
que tem gente que duvida
que esse poço tenha fundo

sou esse aguaceiro todo
que deságua em noite carregada
de nuvens densas
cheias daquelas sensações guardadas

sou isso tudo
aquilo e aquilo outro
que contei em público
no encontro só nosso

sou tanto
mas taaaanto
que minha dúvida é
se alguém um dia conhecerá
se eu um dia conhecerei

o fundo mais profundo
dos meus pensamentos
o profundo do poço fundo
dos meus sentimentos

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rádio-frequência

ninguém rouba o samba de mim assim
o samba é meu e não entrego facilmente
a algum que apareceu da noite para o dia
ainda que a noite tenha sido o início
do outro dia, de paixão, de plenitude

nem a plena sensação de completude inicial
permite que o samba se esvaia de mim
é música minha, a canção dos meus sonhos
trilha sonora dos meus desejos, dos meus romances;
entendeu que o samba é meu?

está claro que não te entregarei assim
de mão beijada o ritmo que candencia
os capítulos da minha novela pessoal?
pode esperar, sentado, deitado, como preferir
sugiro até mudar de rádio, trocar a frequência
essa daqui não te entrega mais nenhuma melodia

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Não economize eu te amos. As palavras não gastam como gastamos os dinheiros, as solas dos sapatos, a lâmina da faca. Palavras se multiplicam quando usadas. O milagre da multiplicação acontece bem assim a olhos nus. Fale euteamo de manhã, euteamo no almoço, euteamo no jantar; euteamo para a mãe, euteamo para o amigo, euteamo para quem quiser; não há momento certo, todos são os certos momentos. A certeza está dentro de si, no olhar, na pulsação em algum lugar em si , que escapole pela boca. Euteamo. Ih, falou? Parabéns, você é um vencedor no mundo dos "melhor não dizer, o que ele(a) vai pensar; deixa pra outro dia, no momento certo eu falo". Permita-se dizer! Deixe ser dito, não evite, não se envergonhe. Amar é lugar certo. Só ama quem tem coragem. Só diz quem é herói. E quem usa o euteamo assim de mão aberta, sem economias, é invencível.

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Ontem fui prisioneira em SP. O Rio em guerra, os aeroportos em guerra, as pessoas em guerra. Fiquei presa em SP, uma parte por escolha minha, uma parte por escolha dos céus. Eram muitas as pessoas caminhando, andando para o nada, para os portões que eram vazios da ausência de aeronaves. As pessoas caminhavam em direção ao seu desejo de chegar em casa, sedentas pelo aconchego do lar, do abraço acalorado da família. Eu, sentada, caminhava dentro de mim. Pensava, divagava e concluía muito pouco. A mente já cansada não faz muito além de babar. A minha babava saliva de desgosto por ser natural da cidade do caos. Vergonha por estar em SP e as pessoas falarem do Rio com desprezo. Vergonha por ser impotente. Vergonha por estar presa fora de casa.

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estou inteira
e pela metade
uma parte minha está ai contigo
e uma parte sua aqui comigo
não roubei, você me entregou
assim de mão beijada mesmo

pois é, me entregou
e ainda
beijou minha mão com a parte de si

agora estou eu aqui,
sua parte em mim
e o vazio
aguardando o outro pedaço.

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odeio esperar.
só isso.

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não é que a danada da lombriga voltou à ativa?
achei que a bichana tinha desaparecido nos ares
mas a magrinha de boba não tem nada
foi distrair-me e renasceu com força total

chegou
estremeceu
cambaleou
e se instalou
bem aqui do lado esquerdo
a quatro palmos da cabeça para baixo

danadinha a menina
que sem nome ainda,
de tanta presença
está sendo batizada

apresento-lhes: MARGARIDA;
a aparentemente bonita
e intimamente intrigante.
para os íntimos também chamada,
PAIXÃO ou ANSIEDADE

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passeando pelo seu corpo
descobri a parte minha escondida;
vi em você um brilho
que tinha perdido em mim.

caminhando com os dedos pelo tórax
encontrei os dois tons chocolate;
degustei as palavras ao ar
interiorizei seu jeito de amar.

divagando sobre futuro e passado
contentei-me com o presente;
e apreciei as duas horas
como as mais saborosas
da eternidade, agora.

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tem
bolo de fubá
bolo de laranja
bolo de chocolate
todos
adoçam a vida
e o coração

mas
tem
o bolo da ausência:
2xíc de expectativa
2xíc de preparação
1xíc de espera
2CS de tristeza
e
bastante calda de lágrimas

.

Lavradio

era uma formiguinha que caminhava
pelas enre-linhas de mim
entrava pouco a pouco pela fresta
entre dito e não dito

foram várias as formiguinhas que
se juntaram numa parte reservada
na área baixa do vértice central

subiram, subiram, subiram

até que chegaram à cabeça
plantaram a bandeira
e por onde passaram deixaram
rastros de paixão

.

eu tenho a noite inteira pra você
mas você não me perguntou se
eu tinha insônia ou não;
deduziu que estaria dormindo
no décimo-primeiro sono,
e desistiu de me pedir carinho.

eu, achando que você
tinha desistido de mim
desisti de te ligar
e na desistência mútua
desistimos de viver
viver uma noite inteira
de amor e palavras ao ar.

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