domingo, fevereiro 22, 2009


Um dia dos olhos


Ela acorda cada dia com os olhos inchados, as olheiras da vida que pesa. O primeiro que faz é massagear as bolsas dos olhos, que sabe pelo que leu funcionar como milagre. Com os olhos, agora desinchados segundo seu ponto de vista - só ela percebe os milímitros a mais ou a menos - vê a roupa que vai vestir, o café que vai tomar, o namorado que continua do mesmo lado da cama, a calcinha jogada da noite anterior. Olha chave, elevador, porta, calçada, pessoas, rua, árvores, crianças, cachorros, publicidade, mendigos, céu, pássaros, pessoas, rua, árvores, memórias, bicicleta, sorrisos, crianças, flores, publicidade, caminhão, memórias, memórias, memórias. Fica paralizada nas memórias. Agora só enxerga lembranças. Chega ao trabalho, abre a caixa de correio eletrônico para de verdade ver as tais memórias. Lê emails de amigos que já partiram, vê fotos do sobrinho que nasceu a 2.000km, os spams que esqueceu de apagar, o álbum virtual daquela viagem à Paris. Está imersa nas visões de suas lembranças quando vê o relógio no canto inferior direito e enxerga a realidade. Volta a concentração no trabalho, vê planilhas, telefone, chefe, vale refeição, emails, telefone, pessoas, planilhas, sites. Até que outra vez a imagem do relógio aparece e vê a hora de partir. Os olhos brilham. Corredor, pessoas, ônibus, rua, calçada, cachorro, publicidade, memória, rua, bicicleta, porta, elevador, casa. Quando entra e vê seu amor os olhos, mesmos que passaram o dia vendo razão, enxergam desejo, paixão, sexo. Cama, roupa, olhos, pêlos, parede, lençol, camisinha, abajour, cama, olhos, pêlos. Sono. Os olhos se fecham e descansam de tanto ver. Agora só os da alma vêem. Sonhos.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009


Raiz da palavra

Não tem resposta certa como equação matemática. Só recebemos um índice quando nascemos e, ainda assim, muito pobre de detalhes. Vem só com os grandes títulos. Subtítulos se vão criando a cada etapa do enredo. :: Não é como livro planejado, roteiro comprado, pré-aprovado. É poesia criada passo-a-passo, expelida pelas glândulas lacrimais e sudoríparas. Poesia sem métrica nem ritmo definido. :: Não é sala ordenada, antiquada, lugar certo para o que leva função única. É salão aberto, livre para montagens, distintos públicos presentes, sem fechamento de rotina ou calendário. :::: Se um nega os nãos é porque não está entre nós. :: Os que aqui estamos, um estar em pele além do resto, sabemos que viver é a incerteza em totalidade. :: Os que, ainda que conheçam a máxima esta, se encontram atentos e abertos, vêem que na incerteza sempre há 7 letras de certeza. :: Se é incerta a vida, porque estamos sempre em busca da parte certa dela?

domingo, fevereiro 08, 2009








Estada marroquí


Sair de si para entrar no mundo do outro,
Ser o outro e se permetir abrir seu próprio mundo.
Olhos amendoados de tonalidades distintas de mel
O mesmo mel das especiarias alaranjadas
Dos sabores que afrodiziam os intervalos entre-orações.

Portas e janelas de arquitetura antiga, paredes de mosaicos trabalhados
Essa, a arte da matéria.
Os olhares profundos escassos na mirada direta
Mais penetrantes que ponta de faca em dedo na pia.
Essa, a arte da memória.

Sensações. Todos os sentidos trabalhados.
Riqueza. Nos detalhes, nos sorrisos de poucos dentes, na culinária de muitas cores.
Emoção. Do chamado religioso, da ingenuidade, também da malandragem.


Essa mistura de sabores e cores, amores e dores
Aberta e fechada à aproximação,
Está para os encontros de almas;
Janelas e portas de cada palácio pessoal.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009


Os músicos do metrô são tão músicos

Quanto os dos grandes palcos da vida.


Os músicos do metrô tocam de olhos fechados

Assim como os que praticam em casa a quatro paredes.


Os músicos do metrô são muito bons.


Mais do que por sua música em si,

Por conseguirem manter a música em si

Apesar da música esvair-se pelos ares aos ouvidos de quase ninguém.